À noite juntávamo-nos os quatro em volta de mesa. O Zé perguntava sempre como tinha corrido o dia; a Teresa questionava o Pedrinho sobre o seu comportamento na escola e eu ouvia-os, mas distante, porque tudo me levava no sentido do passado, da Lucinda e do Chico. O tempo em que me julgava feliz, em volta de uma mesa, a jantar, a falar sobre o dia de cada um. E até o Chico tinha um sabor diferente. Porque também era alguém, porque podia não ser homem, mas era o pai da Lucinda, o meu único marido. Podia ser tudo uma ilusão, uma realidade fingida, mas era melhor, era alegre, tinha sonhos, metas a atingir, lutava por alguma coisa, ainda acreditava que era alguém, que podia viver como se fosse alguém, que podia mudar as regras injustas do mundo, que podia criar um espaço de felicidade para a minha filha. Agora não acredito em nada, nem mesmo no futuro promissor do Pedrinho, nem na luta persistente do Zé e da Teresa, nem no ser que fui e deixei de ser, nem no ser que poderia ser e não sou. Às vezes paro para pensar nisto, na minha podridão de ser e não ser, no estorvo que me estou a tornar, no farrapo que já sou por dentro. E por mais neurónios que queira queimar, tenho a sensação que não tenho mais neurónios para queimar. E por mais que insista que preciso da minha filha, já não sei o que é isso de ser mãe e de ter filhos, nem o que é isso de ter saudades ou desejar alguma coisa, nem o que é isso de ter um nome, uma identidade que não significa nada.
sábado, novembro 20, 2004
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