Parece que ainda vejo o brilho nos teus olhos cor de avelã. Ouço-te a chamar por mim naquele dia fatal. Como é difícil acreditar que partiste para sempre, que apodreces dentro dum caixote de madeira, comida pelos bichos esfomeados. E ter-te eu dentro de mim para seres engolida pelo pó da terra. Dava tudo para que não fosses tu mas eu o alimento da morte. Ver-te deitada num caixão, de olhos fechados, branca, gelada, desfigurada, muda, estátua. Ouvia-te não sei de onde a chamares por mim, aos gritos, desesperada, a pedires a minha ajuda. Olhava-te, mas tu continuavas morta. Responde-me Lucinda, minha filha! Que queres meu amor? Os teus gritos cada vez mais desesperados, e eu nada podia fazer. Levanta-te daí, Lucinda! Vou-te fazer um bolo de chocolate, tu gostas tanto! Sai desse caixão! Tu não morreste! Ouço um estrondo. Depois um silêncio frio. Não gritas mais, estás calada, para sempre. Fala filha, sou eu, a tua mãe! Responde-me, Lucinda! Vais ficar boa! Nada poder eu fazer. Deixar-te morrer no tempo da ilusão dos vinte anos. Os sonhos, os projectos, a esperança finda de seres uma Cinderela. Amo-te muito. Morro contigo. A minha inocente criação, numa noite de lua cheia, onde o engano de amar e ser amada foi uma realidade por breves instantes, com a naturalidade de uma verdade sonhada. Meu amor. A pureza do sentir. Levaste-me contigo. Morreste, deixaste de ser alguma coisa. Eu também, filha.
sábado, novembro 20, 2004
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