Frio. Inverno. Mais uma noite ao pé da lareira onde aquecíamos os pés. Um silêncio maçador. Olhamos um para o outro e nada temos a dizer. Ou talvez sim. Tanta coisa que ainda não dissemos, outras tantas que nunca vamos chegar a dizer. Mas ainda é tempo. Ainda somos alguma coisa. No fundo, a única coisa que sabemos é que não somos nada. Mas continuas a fingir que és um homem. Fala! É isso mesmo, filosofia, psicologia, moral. Nietzche, conheces? E Vergílio Ferreira, já leste? Então lê! Agora vou-te falar de Pessoa, o Fernando. Não, estás farto de me ouvir falar em teorias que não nos levam a lado nenhum. Ou será que levam? Além disso não me percebes. Nunca me percebeste. Está bem, perdeste a esperança em ser alguém que eu veja. Mas tu és alguém! És o Chico! Eu casei contigo porque tu és o Chico! Não acreditas em mim? És sempre o mesmo! Sempre foste assim. E eu que te ature! Estás cada vez mais careca, vês mal, não ouves o que te digo, esqueces-te das coisas. Enfim, estás velho, acabado. Qualquer dia morres e deixas-me sem dinheiro para te pagar o funeral! Como se o funeral servisse para alguma coisa. Enterrar os mortos. É abrir uma cova, funda, de preferência, atirar um corpo e voltar a fechar o buraco.
sábado, novembro 20, 2004
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