terça-feira, julho 11, 2006

A recuperação da queda

"Estou emocionada. Anos à procura sem saber de quê. Uma vida marcada pela dúvida mas pela certeza de que tinha uma missão ou apenas um caminho a escolher. Porque não há destinos marcados, há sim várias opções que o decidem.

Andei perto de descobrir o meu caminho, estava perto, sentia que podia ir por ali mas tinha medo, medo de nada e de tudo. Quando me mostraram o caminho, fiquei emocionada. Ouvi uma voz dentro de mim:
- É mesmo por ali que tens de ir. Chegou a hora de optares e não podes perder mais tempo. Larga o que te impede de seguir em frente, porque não é aí que tens de ficar, não é essa vida que tens de viver. Faz as malas das recordações. Leva só o essencial. O resto tem de ficar para trás, não pode caber na tua nova vida. Tiveste de passar por diversas provas, por momentos terríveis que te ajudaram a crescer e a ganhar a confiança necessária. Tudo o que passaste era importante para compreenderes o mundo, o valor da vida, o teu próprio destino. Agora estás pronta! Agora é o momento! Vai… mas não voltes para trás.

Só agora sou capaz de escolher o melhor, só agora tenho condições para não cair e desistir. Noutra altura tudo se perderia não teria a coragem para continuar num caminho tão exigente. Só Deus sabe. Porque Deus é a sabedoria e o amor. Confiou em mim. Sabia que para chegar aonde quero teria de passar por dolorosos obstáculos, quase impossíveis. Mesmo quando estava do fundo do poço, tão fundo que nem conseguia ver a luz ao fundo, deste-me a tua mão e disseste-me que ias estar sempre comigo, mesmo que o fim fosse ali mesmo. Acreditei em ti. Sabia que não me ias abandonar mesmo quando me senti sozinha e sem forças. Mesmo quando achei que eras a única ilusão em que podia acreditar, mesmo quando as evidências mostravam que estavas longe. Mas a tua mão sempre ali, quase sem força, mas sempre ali…

Sabes que perdi tudo, o meu amor-próprio, a minha dignidade… fui um farrapo de limpar o chão. Às vezes nem para isso servia. Quem me tornou assim tão miserável? Não quero saber.

Tens que impor respeito e ver por onde caminhas, com quem e, principalmente, saber quem é capaz de te empurrar para reagires antes da queda. E se caíres, levanta-te logo e afasta o brincalhão, manda-o às favas. Mas não permitas que brinquem contigo aos empurrões. Isso é jogo sujo. Quem faz batota tem de ser expulso. Não entra mais no relvado. No palco da tua vida não podem haver indisciplinados nem desordeiros. Ninguém pode agredir o adversário gratuitamente.

Um passo de cada vez. Até que consegui sair do poço. Vejo a claridade da luz que ilumina da linda paisagem que me rodeia. O sol brilha, o céu está azul, a temperatura agradável… respiro o ar puro e que bom é ser livre. Que bom que é poder caminhar, dar pulos de alegria, sorrir e abraçar os amigos, sentir o calor do amor, a força da vida… o que eu perdi nestes anos todos. Uma vida mergulhada na escuridão, sempre na eminência do abismo, presa à infelicidade.

Não há palavras, não há gestos, nem o meu sentimento de gratidão chega para te valorizar. Não precisas de mim para seres quem és, mas eu sem ti nem existia, e se existisse não sobrevivia. É o melhor que te posso dizer.

Só sei que sem ti não estava aqui, não conseguiria sentir esta emoção por existir não só de corpo, mas sobretudo de alma. A única coisa que posso fazer em tua homenagem é agarrar esta oportunidade e não voltar a dar-te tanto trabalho. Meu Deus."

Eva Monteiro, em "Memórias"

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