domingo, julho 16, 2006

Príncipe do nada

Príncipe do nada. Surges como uma luz de fundo na escuridão. Passos pesados, desajeitados. Um príncipe sem coroa nem manto. Onde está o teu trono? O teu reino? No coração das mulheres insensatas? No instinto, no desejo das descontroladas ou esfomeadas? Como reinas tu no universo feminino? Com histeria? Sim, muita. Inacreditável. Nem a masculinidade do Cristiano Ronaldo teria tanto sucesso. Bastava seres famoso. Não na tua rua, nem na tua zona ou distrito. No país, no mundo. Aí sofrerias o peso do teu corpo. Aí serias vítima da irracionalidade do desejo não só de algumas mulheres mas também de gays. Isso seria catastrófico para ti. Não poderias controlar. Não conseguirias viver nem fugir. Serias o verdadeiro príncipe encantado de milhares (ou milhões) de mulheres. Sonhas com isso? O que davas por esse título?

Príncipe do nada. É o que és, como muitos homens. Mas há uma grande parte que nem chega a ser príncipe. São “sapos”, pequenos monstros… às vezes disfarçados em corpos perfeitos. Serás um desses? Acredito que não. Até que ponto? Até provares o contrário. Cinderelas… tantas! Obcecadas por encontrar o príncipe que as salve da sua vida miserável. Tão parvas. Eu sei, também já fui assim. Talvez por isso procure quem não me queira salvar, quem não me queira calçar um sapatinho que me transforme numa bela princesa e depois “foram felizes para sempre”. A bruxa má estava dentro de mim mesma. Eu a minha maior inimiga que me estragava a vida, que mergulhava numa miséria profunda. E depois teria de aparecer o príncipe encantado que no primeiro olhar se apaixonaria para sempre… Ridículo!

No meu conto-de-fadas, eu sou a conselheira da princesa, da rainha e de outras inúteis. Cumprido o meu horário de trabalho sairia para a borga, onde me divertia durante a madrugada, livre como um passarinho, feliz como a criança mais amada. Nos meus dias de folga correria o mundo, novos conhecimentos e descobertas, na mais autêntica farra da vida.

De regresso ao trabalho, no palácio das ilusões, lá teria de me cruzar com o parvalhão do príncipe e outros tantos pretendentes a títulos da nobreza e ouvir os seus queixumes, aturar as crises nervosas das damas, que não sabem o que vestir, como atrair os seus amados, como manter o final feliz para sempre. Vão-se foder todos!Qualquer dia, se não me derem um aumento, meto atestado médico por stress no local de trabalho.

Diz-me a verdade: és um príncipe encantado? Que tipo de príncipe és? És o que elas querem ou apenas o que realmente és? Príncipe de porcaria nenhuma. Príncipe do nada. Ou nada de príncipe. Se fores eleito rei de qualquer esterco, podes ter a certeza de que peço o exílio do teu reino e ainda fico a preparar uma revolução que devolva a anarquia!

Falando agora sem metáforas para não baralhar o teu português. Se te transformas no protótipo de príncipe encantado serei a primeira a rejeitar-te, a ignorar-te, a condenar tão humilhante condição. Mas o que é um príncipe encantado? Aquele que casa com a Cinderela. E?

Um exemplo: ela infeliz no seu emprego (seja ele qual for), passa os minutos a contar o tempo que ainda lhe resta para acabar o trabalho que detesta; vai para a sua casinha e perde-se com as lamechices das telenovelas portuguesas e das revistas cor-de-rosa; sonha com o príncipe que a vai salvar da sua vida miserável. Para isso produz-se a fim de o conquistar. Normalmente é o primeiro que lhe aparece, que fixa o seu decote e a convida para sair. Ele é o príncipe encantado. Minimamente atraente, sabe seduzir, mesmo que inconscientemente, promete-lhe mundos e fundos, faz-lhe todas as vontades até ao casamento. Depois, principalmente quando surgem os descendentes, a coisa perde o interesse, porque não dá para manter a máscara para sempre. Esta acaba por cair muito mais cedo do que imaginam.

Claro que podia aprofundar muito mais o exemplo, mas acho que já percebeste o que quero dizer. Mesmo assim podes me perguntar o que quiseres. Como já disse, e volto a repetir até acreditares que é mesmo para ti que falo, que terás todas as respostas, as minhas, mas talvez não as que procuras.

Príncipe do nada… Sem príncipes. Nem princesas. Apenas nós próprios. Sem máscaras. Despidos de hipocrisias, preconceitos ou complexos. Apenas a essência. O âmago do nosso fundo.


Fica bem. Em ti, sobre ti mesmo e acompanhado por ti próprio. Um dia te direi porquê, se entretanto não te transformares num príncipe e arranjares uma princesa igualmente inútil. Desculpa, eu sei que serve para ter filhos. E cuidar da casa. Além disso… mais alguma coisa?


Sandra Bastos

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