eram barcos e barcos que largavam
fez-se dessa matéria a nossa vida
marujos e soldados que embarcavam
e gente que chorava à despedida
ficámos sempre ou quase ou por um triz
correndo atrás das sombras inseguras
sempre a sonhar com índias e brasis
e a descobrir as próprias desventuras
memória avermelhada dos corais
com sangue e sofrimento amalgamados
se rasga escuridões e temporais
traz-nos também nas algas enredados
e ganhou-se e perdeu-se a navegar
por má fortuna e vento repentino
e o tempo foi passando devagar
tão devagar nas rodas do destino
que ou nós nos encontramos ou então
ficamos uma vez mais à deriva
neste canto que é nosso próprio chão
sem que o canto sequer nos sobreviva
Letras do Fado Vulgar
Vasco Graça Moura
1942 Nasceu no Porto. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa. Ocupa actualmente um cargo directivo na Fundação Gulbenkian. Tradutor, ensaísta, poeta e romancista.
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