quinta-feira, abril 20, 2006

"Sensibilidade e Bom Senso" - crítica literária II

"Entre negar e afirmar, o drama, o tema fecundo. A prudência que Elinor defende faz intervir, entre a interioridade e o comportamento, entre a sensibilidade e as sua expressão, um factor, (chamemos-lhe bom senso, decoro social e moral, e admitamos que é necessário para evitar que os seres humanos sofram, ou demos-lhe o nome de ambição, de interesse pelo dinheiro e pelo estatuto da sobre-classe, e condenemo-lo) a que Marianne com toda a pertinência dá o nome de mundo e no qual localiza o seu infortúnio e a derrota do seu amor por Willoughby. Elinor admite, sanciona e valoriza este elemento social, claramente de experiência social, que intervém entre o interior e a exterioridade, e que para ela é prudência, sensatez - sabemo-lo desde o começo do romance - , que deve conter, disciplinar, limitar a expressão da verdade íntima, do movimento livre da interioridade humana. E não se dá conta de que deste modo nega a espontaneidade da vida interior dos seres humanos e a substitui por uma clara regulação social e racional que comporta os valores que defende e ao mesmo tempo os aproxima perigosamente dos valores que um John Dashwood, uma Mrs Ferrars, uma Lucy Steele promovem.

Marianne cultiva a sensibilidade, faz intervir entre a interioridade e o comportamento, a vida emotiva e a sua expressão, a convencionalidade e o culto das convenções da poesia e da música em voga, sentimentais e pré-românticas, factores a que também com toda a pertinência daremos o nome de mundo. Mas nesta poesia e nesta música pulsa, no romance, e pela verdade de Marianne, uma necessidade humana, a aspiração e o ideal de uma vida humana isenta de deturpações e dos constrangimentos que a sociedade impõe aos seres humanos. (...)

John Dashwood e Robert Ferrars têm discursos fáceis e ocos, vazios de identidade subjectiva - não se exprimem na sua língua, é a língua como expressão da consciência social que se exprime neles; Sir John Middleton diz com facilidade as banalidades e truísmos de um convívio que não discrimina qualidades humanas sob as máscaras dos papéis sociais; Thomas Palmer parece aproximar-se de Edward pelos silêncios e reticências, mas a romancista não nos deixa dúvidas quanto às diferenças radicais entre a convicção de superioridade intelectual do primeiro e a superioridade cultural genuína do segundo.

Willoughby e Brandon revelam traços linguísticos comuns, apesar das diferenças entre eles - são eles que usam a língua comum para se contarem e longamente explicarem a Elinor, e a verdade é que esas explicações produzem nela e em nós o efeito superficial de compreensão interpretativa que assinala o uso predominantemente racionalista que a protagonista faz da língua inglesa. (...)

Sense and Sensibility não é ainda um grande romance austeniano. A grandeza artística viria nos romances seguintes, e já com uma apreciável mestria em Pride and Prejudice. Mas é um bom romance inglês - pela criatividade, pela disciplina, pelas novas possibilidades abertas para a arte do romance, pelas novas possibilidades abertas para uma inteligência humana da vida."

Álvaro Pina, em "Jane Austen"

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